"A mesma síndrome
Num jogo intimidatório e um tanto tosco, oposicionistas e petistas parecem esperar da imprensa uma atitude de subserviência e colaboração
O excesso de confiança e as perspectivas de sucesso exercem, como se sabe, efeito euforizante até mesmo em pessoas habitualmente sensatas. O noticiário da imprensa dos últimos dias parece acrescentar novas facetas a essa constatação trivial.
De um lado, foi possível perceber de que modo o êxito nas pesquisas é capaz de produzir não apenas euforia, mas enfurecimento e abuso naquelas personagens que, de hábito, já não se pautam pela modéstia de temperamento. De outro lado, nota-se que não só a antecipação da vitória, mas também o seu inverso, ocasionam achaques nos que procuram aparentar civilidade e equilíbrio em suas aparições públicas.
Lula, José Serra e até mesmo uma figura secundária como José Dirceu, em que pesem suas diferenças de ideologia e de destino político, revelaram durante esta semana sinais de uma mesma síndrome, ainda que desencadeada por causas bem diversas.
O candidato do PSDB teve, por assim dizer, seu "momento Dilma", ao reagir com irritação a entrevistadores de um programa de TV. Considerou capciosas as perguntas que lhe fizeram sobre a quebra do sigilo fiscal de sua filha, na medida em que reproduziam argumentos já utilizados pela candidata do PT. Ameaçou abandonar a entrevista, que esperava voltada apenas para temas de política e economia.
Vai-se consolidando a mentalidade de que postulantes a um cargo eletivo prestam um favor aos jornalistas quando, na verdade, estão a cumprir a exigência básica de responder a perguntas de interesse dos cidadãos.
O jogo de intimidação é dos mais toscos: qualquer questão um pouco mais incômoda é desqualificada, afirmando-se que equivale a tomar partido em favor do candidato adversário.
Enquanto isso -sob a luz favorável das pesquisas que apontam melhores chances para o PT- revelou-se mais uma vez o tipo de concepção de democracia que orienta o ex-deputado José Dirceu. Há no país um "excesso de liberdade de imprensa", disse o antigo dirigente, num discurso a sindicalistas. Por sua vez, como já se comentou aqui, o presidente Lula preconizou na última semana que um dos principais partidos de oposição seja simplesmente eliminado do cenário político.
A popularidade do governo parece assim servir de salvo-conduto para a prepotência, a impunidade e o impulso liberticida que, em tempos menos sorridentes, muitos petistas tratavam de ocultar.
Estivesse a imprensa submetida aos desejos de líderes petistas e seus companheiros, sem dúvida -para citar apenas o episódio mais recente- autoridades do primeiro escalão continuariam a ter familiares negociando, no balcão mais próximo, contratos privilegiados com o governo.
Outros casos virão à tona, por certo -e sua revelação será tratada como ato persecutório pelos que se fazem de vítima enquanto se aboletam no poder.
Não são vítimas: são aproveitadores, escondendo-se atrás de farrapos de ideologia para promover os negócios de seus apaniguados e tentar desfigurar, na medida de suas próprias dimensões, um sistema democrático a duras penas consolidado no país."
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