CADÊ?

setembro 04, 2010

Divergências

O poeta Emerson Araújo postou, em seu blog, texto intitulado de O terrorismo midiático contra Cuba, editorial, segundo registra, do Brasil de Fato. O texto, já se vê pelo título, cinge-se à lengalenga de sempre: Cuba é um paraíso. Afinal, [a] Zapata, morto em 2010, fevereiro, era preso comum e não de consciência; [b] as torturas registradas em Cuba são cometidas pelos estadunidenses, na base militar em Guantánamo, e não pela democracia castrista; [c] a maioria dos dissidentes cubanos é financiada pelos Estados Unidos da América; [d] ONGs apontam "menos de 50 presos de consciência" em Cuba, ignorando, vejam, de que, recentemente, em face de acordo, o déspota de plantão da Ilha dispôs libertar pelo 52 presos políticos, como noticiado pela imprensa mundial; e [e] as campanhas satanizadoras do regime cubano originam-se em jornais e televisões dos Estados Unidos e da Europa, e aqui são repercutidas por "barões da mídia colonizada", entre outras estultices. O comentário que fiz a esta postagem - Ô, poeta, você acredita mesmo nesta baboseira? Só pode ser um sarro que tá tirando... - foi o estopim para mais uma carta aberta, agora a mim destinada. Ei-la, com algumas considerações minhas:

Temos travado, aqui pela net, volta e meia, um debate de amor e ódio a Cuba. Eu, no meu analfabetismo, destilando amor a este povo que teve vergonha na cara de não querer ser mais privada da Terra de "Tio Sam" e você respingando ódio ao regime cubano fruto de uma nova configuração ideológica de intelectuais ocidentais que perderam o tino humanista de um passado não muito longe. Devo respeitar este teu ódio a Cuba, ao seu povo, ao seu regime como é da minha tradição democrática de compreender os devios idológicos dos amigos.

Dois reparos, desde logo, são necessários: [1] pela defesa que tem feito do regime castrista, o poeta ama a ditadura cubana, e não povo cubano, tolhido em mínimos direitos, como o de ir e vir - a Yoani Sánchez, por exemplo, há muito não consegue sair do país; e [2] a condenação da ditadura cubana, propagando as suas atrocidades é, em essência, uma ação humanista, e não se traduz em ódio, mas em indignação. Até José Saramago condenou a ditadura cubana, como se viu de texto seu - Cheguei até aqui - publicado no El País, e reproduzido neste blog quando festejaram os 50 anos do regime despótico dos Castros.

Você, meu caro Leonam, sabe muito bem de que somos de uma geração que aprendeu por força de uma militância ora concreta, ora nem tanto, ver Cuba como exemplo de soberania e respostas concretas a algumas bandeiras sociais que nos foram sempre cara e que de maneira utópica ou não passaram a ser alvo das nossas reivindicações (se é que elas sempre existiram e que tenho desconfiado muito nos últimos anos).

Esquece o poeta, contudo, que Cuba representava - e aí fomos estúpidos - modelo contrário ao implantado pelo regime militar. A estupidez, por óbvio, deu-se quando se defendeu uma ditadura para se contrapor a outra. Não nos redime sequer o fato de que, naquela época, falar em esquerda e direita fazia sentido.

Meu caro, amigo, acredito que você e tantos não perderam o poder da visão e como leitores ávidos e antenados não podem desconhecer alguns avanços no campo da educação, da saúde que os cubanos desfrutam hoje e que muitas nações não chegam nem perto disso. Penso ainda que os organismos internacionais como UNESCO e OMS da ONU não precisam mentir para atestarem o que estou dizendo. Talvez estes avanços a que me refiro já bastam para a maioria do povo cubano.

cuba_ariel sigler amaya Não são necessárias consultas à UNESCO e à OMS como avalistas para o que Emerson Araújo reproduz quanto à educação e à saúde providas pela ditadura cubana. Sei que não serve ao poeta, mas as referências à educação e à saúde são encontradas na BBC Brasil, via UOL, do Folha de São Paulo, um dos jornais, segundo sua visão, a serviço dos Estados Unidos contra Cuba. E, por incrível que possa lhe parecer, são indicadas como êxitos da ditadura castrista. A saúde e a educação, apesar de importantes, o poeta pode ter certeza, não bastam para um povo. A liberdade é mais importante. Um exemplo? Ariel Sigler Amaya, ex-boxeador cubano, preso em 2003, na conhecida Primavera Negra, com 93 quilos. Findo o seu encarceramento, por gestões da Igreja Católica e da Espanha, Amaya estava em cadeira de rodas, por ter contraído polineuropatia, causado por falta de vitaminas, além, obviamente, por tortura, e por falta de assistência médica… A ditadura dos Castros deixou-o com 48 quilos.
Então, para Amaya, preso por ter consigo livros proibidos; e solto por encontrar-se com a saúde extremamente abalada, pelas atrocidades que lhe foram cometidas, para que servem mesmo as excelências em educação e saúde cubanas?

Meu caro, contista, devo, também, compreender que alguns intelectuais ocidentais perderam a sensibilidade de esquerda de outros tempos por conta de situações pontuais da própria esquerda. É por isso, meu caro, que jamais o julgarei fechando "questão" ou tirando "sarro". Já disse em outras ocasiões que Cuba não nos une, mas a arte sim, o rock sim, o fluminense sim e acima, de tudo isso, a amizade.

Neste ponto, devo expressar um pedido de desculpa, porque, ainda que não de forma intencional, ofendi, ao que parece, o meu amigo Emerson Araújo, por imaginar, diante de tantas parvoíces insertas no mencionado editorial por ele reproduzido, que estivesse de gozação, sem avaliar o grau de idolatria do poeta pela ditadura cubana. Avaliei mau um tweet seu,  em que se alinha ao Airton Sampaio na reprovação de todas as ditaduras. O pedido de desculpa está feito, e é sincero.
Mas, penso, a minha observação é, forçoso admitir-se, pertinente. Afinal,  depois de tanto tempo do fim da guerra fria, e depois que a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas foi fulminada, política e economicamente, que ameaça Cuba representa para os Estados Unidos da América? Os Estados Unidos da América, sem a ameaça de expansão comunista, lixam-se para a Ilha, que, sem poder bélico, e com uma economia arruinada, só ferra seu povo.
Penso que a manutenção dos embargos econômicos – que não é pleno -, pelos Estados Unidos da América, somente se justifica, hoje, pelo manifesto desprezo do governo cubano aos direitos humanos – sim, eu sei, que tais embargos à ilha caribenha deram-se, de início, por questões essencialmente econômicas, quando o governo revolucionário cubano nacionalizara empresas norte-americanas,  reforçado, depois, pela crise dos mísseis na Ilha.

Para fechamento de conversa devo, ainda te dizer, que as questões pontuais da esquerda me atingiram, também, mesmo assim e graças a Deus a minha leitura sobre o mundo e, principalmente, sobre o povo do mundo vão além dos editoriais comprometidos e unilaterais de "Veja", "Folha de São Paulo", "Estadão" e outros que tentam nos levar para um reducionismo de direita perigoso. Tenho dito!

Aqui o poeta foi arrogante. Depois de, com manifesta ironia, dizer-se analfabeto – e  eu assim não o chamei –, insinua, ou melhor, afirma que as minhas leituras não vão além de editoriais “comprometidos e unilaterais” (sic) de Veja, Folha de São Paulo e Estadão.Talvez seja interessante que o poeta, para me tirar da escuridão, aponte-me a sua literatura de referência. Quero muito crer, sem que resulte em cegueira ideológica, que em Cuba não se instalou uma ditadura, e que esse discurso de esquerda e direta, principalmente na política brasileira, não seja tão démondé – aliás, eu não sei o que o poeta chama de direita hoje.
Mas o poeta foi também ingrato. As publicações por ele apontadas foram de extrema importância no combate ao regime militar. Tanto que sobre eles, como sobre os demais veículos de comunicação, recaiu a censura.
De fato, se digo que impera uma ditadura em Cuba, o poeta Emerson Araújo, meu amigo, nega tal existência, com veemência.

3 comentários:

Airton Sampaio disse...

Leonam, o raciocínio do Émerson, pelo que se depreende do que escreve, é o seguinte: o governo de Getúlio e dos militares foram, sim, ditaduras, porque de direita. E foram terríveis ditaduras mesmo! Mas o governo monárquico de Fidel (não foi o irmão Raúl que lhe herdou o trono após 50 snos de autonomeação ou isso é mentira da CIA?), o governo sem fim de Fidel, por ser de esquerda, PODE SER ditatorial que jamais assim será considerado, num atentado contra os fatos. O que entriste é ver um poeta a favor de UMA DITADURA E CONTRA OUTRAS, quando é DEVER de um poeta, que respira a liberdade de expressão, voltar-se contra QUALQUER DITADURAl, quer massacre os negros do Harley, quer esfole e torture os cubanos que OUSAM fazer o que é próprio de todo ser humano: PENSAR, ainda que (Viva!)divergenteMENTE das "verdades" dos ditadores, TODOS execráveis. LIBERDADE PARA OS CUBANOS!

M. de Moura Filho disse...

É o que eu chamo de cegueira ideológica, Airton.

Airton Sampaio disse...

Antes que me denuncie pro caquético Raúl, e disso eu só não me cago de medo porque estou 9ainda bem!), bem longe da Ilha, esclareço um erro (humano) de dedo: Harlem. Assim como um militar, ressalvadas as exceções, é logo associado à força bruta, um poeta o é à liberdade, o mais precioso bem humano, talvez até maior que a própria vida. E pensar que já estamos há 20 anos da queda do imoral Muro de Berlim e ainda há quem goste daquele mostrengo... Não fosse um poeta até dava para entender, mas...