CADÊ?

maio 10, 2008

Impressões de um leitor: pra mim chega!!!

Esta postagem não é uma provocação à que fiz em 29 de abril: apenas retrata as impressões de um leitor.
Começo dizendo que, ao contrário do José Elias de Arêa Leão, não tive dificuldade em encontrar Pra mim chega: a biografia de Torquato Neto, de Toninho Vaz. Cogito, contudo, da hipótese de que o livro por mim adquirido na Des Livre não seja, definitivamente, o que foi repassado ao Albert Piauí pelo cartunista Solda, do Paraná.

* * *
Torquato Neto nasceu em 1944, 9 de novembro, e matou-se em 1972, 10 de novembro. Assim, em 2003, julho, quando deveria ter sido publicado Pra mim chega: a biografia de Torquato Neto, estaria ele, se vivo, com 58 anos, e, em outras civilizações, celebrar-se-iam 30 anos de sua morte. 30 anos de sua morte: eis a razão, única a meu juízo, para a publicação em 2003. Torquato Neto, porém - concluo, a partir da edição que tenho -, não merece um biografia descuidada. O texto é desleixado, bruto, contraditório até mesmo com registros fotográficos impressos no livro. Vejamos alguns exemplos:
1. "Havia algo de excêntrico no comportamento natural de vó Sazinha, e , talvez por isso, ou até mesmo por outras, Torquato demonstraria especial afeto por ela durante toda a vida" (pág. 17, itálicos na reprodução). "talvez por isso, ou até mesmo por outras"? Não quer dizer absolutamente nada. Afinal, uma razão, provavelmente de natureza familiar, teria Torquato Neto para demonstrar afeto por sua vó. Por que não "Havia algo de excêntrico no comportamento natural de vó Sazinha, e , talvez por isso, Torquato demonstraria especial afeto por ela durante toda a vida"?
2. "Mas o romantismo próprio da adolescência poderia se manifestar de outras maneiras; como, por exemplo, no dia em que foi delatado por um colega por estar pendurado no cano de calha, espiando o toalete das garotas" (pág. 25). Romantismo espiar garotas em banheiros? O que que é isso? Não há, absolutamente, nada de romântico em espiar garotas no banheiro. Muito ao revés. Nacif Elias, em depoimento a Kernard Kruel, publicado em seu Torquato Neto ou a carne seca é servida, narra o episódio com mais propriedade: "Certa feita, nos deixamos levar pela curiosidade e subimos pelo cano da calha para o telhado do banheiro das meninas, tiramos algumas telhas e estávamos naquele paraíso, com aquelas meninas todas em sua inocência, quando fomos denunciados pelo Jesus Albuquerque. O Torquato, o último a descer foi pego, repreendido e quase expulso do Leão XIII. O professor Moaci Madeira Campos era muito rígido, conservador, e raramente voltava atrás em suas decisões, mas, por interferência do tio Heli, que estava sempre na defesa do Torquato, ficou apenas numa boa na reprimenda, o que não era nada para ele e para todos nós, molequotes cheios de nós pela costa" (págs. 29/31).
3. "Todos sacolejavam ao som da sanfona hipnótica do Lua, como era conhecido o artista na intimidade" (pág. 27). Luiz Gonzaga recebeu a alcunha de Lua de Paulo Gracindo, em 1944, quando contratado da Rádio Nacional. E passou assim também a ser conhecido no país inteiro. Lua na intimidade? Afirmar que Luiz Gonzaga era conhecido na intimidade como Lua é tão despropositado quanto dizer que na intimidade Roberto Carlos é chamado de Rei.
4. "Quando Torquato, aos 17 anos, desembarcou no aeroporto Santos Dumont numa tarde de janeiro, o verão carioca prometia ser 'bacana', para usar uma gíria da época, 'um estouro' - a expressão aproximada, nos dias de hoje, seria 'do caralho'. (...) Ainda pairava uma certa atmosfera de capital federal, título que o Rio perdera dois anos antes com a inauguração de Brasília, a Novacap, em plena era JK" (pág. 41). O desembarque de Torquato no Aeroporto Santos Dumont, se tinha 17 anos, deu-se em 1962. Brasília, sabe-se, foi inaugurada em 21 de abril de 1960. Como, então, a rigor, o Rio de Janeiro, dois anos antes, deixara de ser a capital federal, se o desembarque deu-se em janeiro?
5. "O estudante de engenharia José Serra articulava para disputar as eleições da UNE, que articulava estratégias com a ABI (da imprensa), que articulava com a OAB (dos advogados) e todos os sindicatos não patronais" (pág. 45). Há, então, ABI e OAB que não sejam, respectivamente, da imprensa e dos advogados? Ora, a Associação Brasileira de Imprensa e a Ordem dos Advogados do Brasil são agremiações demasiadamente conhecidas, de forma que a construção do biográfo constitui-se em pleonasmo.
6. "Ainda em 1966, também Elis entrava em estúdio para gravar Pra Dizer Adeus, confirmando a vocação dessa música para ocupar lugar de destaque na galeria de clássicos da MPB. Em pouco tempo, sua pugente interpretação - quase teatral - ajudaria a construir um novo sucesso de vendas, ainda em vinil" (pág. 73). É mesmo necessário informar que Pra Dizer Adeus, gravado por Elis Regina em 1966 fora sucesso "ainda em vinil", quando se sabe que o surgimento do CD deu-se na década de 1980?
7. Depois de firmar que em janeiro de 1967, quando "o governo militar oferecia ao país a Lei de Imprensa (...), Torquato estava trabalhando como divulgador da gravadora Philips", assevera Toninho Vaz que "No dia 11, contrariando a expectativa criada pelos jornais de que tudo acabaria em happening, Torquato e Ana se casaram em cerimônia comportada, na Igreja de São Pedro Apóstolo, na Tijuca" (págs. 79/80) . Pois não é que no final do livro, entre as fotos, há três do casamento de Ana e Torquato sob a legenda "No casamento com Ana, discretamente, em 1966." Afinal, quando casaram Ana e Torquato? Busquem a resposta em Torquato Neto ou a carne seca é servida.
8. Toninho Vaz menciona o encontro de Jimi Hendrix e Torquato Neto, que teria ocorrido "num velho e enorme apartamento. Hendrix, que se tornara conhecido no Festival de Monterrey, em 1967 (sua consagração viria em Woodstock, seis meses depois desse encontro". Arremata Toninho Vaz que "Hendrix tinha então 26 anos e Torquato 23" (pág. 130). Torquato Neto nasceu, como mencionado, em 1944, 9 de novembro. Jimi Hendrix nasceu em 1942, 27 de novembro, e exibiu-se no Festival Woodstock em 1969, agosto. A partir desses dados e considerando o exposto pelo biográfo, o encontro teria ocorrido por volta de março/abril de 1969. Nascidos, ambos, em novembro - Hendrix em 1942 e Torquato em 1944 -, impossível diferença de idade de 3 (três) anos. Assim, de fato, Hendrix tinha 26 anos, mas Torquato não estava com 23, e sim com 24 anos.
Há, ainda na edição que tenho, erros de separações silábicas, que, claro, não posso atribuir ao Toninho Vaz, mas tenho certeza que, se vivo, levaria Torquato Neto a discuti-los, como fê-lo quando envolvido no Estado Interessante, suplemento do extinto jornal O Estado (pág. 190).
O certo é que preciso, pois, urgentemente, obter uma outra edição de Pra mim chega: a biografia de Torquato Neto, para que possa ter a empolgação que vejo por aí.

3 comentários:

Airton Sampaio disse...

Pois é, Leonam, são esses "descuidos" que descredibilizam um livro. Aqui na Província é mais que comum chamar-se, inclusive pela festejada professora-doutora Teresinha Queirós (com s ou z, tanto faz), o Poeta Leonardo da Senhora das Dores Castello-Branco de Leonardo de Nossa Senhora das Dores Castelo Branco. Nome disso? Irresponsabilidade!

Anônimo disse...

Impressões de um autor

Salve, M. de Moura Filho. Gostei de ver. Aplicadíssimo na aferição de informações supérfluas e – muitas vezes – equivocadas também da sua parte. Tipo pretender que todos saibam quando o vinil deixou de existir, pois como "se sabe o surgimento do CD deu-se na década de 1980?”. Quem sabe? Minha filha mesmo, que já nasceu na era do CD não sabia ao certo quando ele, o CD, havia nascido. Muito natural. Equivoco seu considerar desnecessária a informação (aqui você revela uma postura de amador determinado a encontrar defeito no texto).
Você não sabe também que na conceituação literária “romantismo” pode ser considerado até mesmo as incursões de um jovem pela boemia, nas mesas de um bar? Claro que espiar garotas num banheiro pode ser considerado um ato romântico, ou você acha que precisa de uma música ambiente, com violinos, e olhares ternos?. . . (Aqui você demonstrou a profundidade da sua cultura e deveria ter ficado calado sobre este item.)
Não vou nem conferir as datas que você destaca como equívocos do autor, pois muito provavelmente você estará certo em algumas e equivocado em outras.
Mas nenhuma critica conceitual, meu caro? Ainda bem.
Enfim, gostei de ver.

Abç toninho vaz, de Santa Teresa, Rio de Janeiro

Anônimo disse...

Caro Sr. D. Moura:

Pelo que constatei o senhor fez a crítica ao livro do jornalista carioca Toninho Vaz com uma calculadora. Que pena.

Elza