CADÊ?

março 26, 2011

Em defesa da liberdade de expressão

 cats

Interpretação de racismo em charge provoca demissão de autor

Chargista Solda nega referência a Obama em desenho de macaco

Por Evandro Fadel
- especial para O Estado de S. Paulo

CURITIBA - O chargista Solda, de 58 anos, que já trabalhou, entre outras publicações, no Pasquim e Jornal do Brasil, além de várias agências de publicidade, foi demitido segunda-feira, 21, do jornal O Estado do Paraná, atualmente publicado apenas na internet, sob acusação de ter feito uma charge com tom racista durante a visita do presidente norte-americano Barack Obama. A retirada da charge do site do jornal e a demissão aconteceram depois que ela foi publicada no blog Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, com o título "Não, nós não somos racistas".
O desenho mostra um macaco fazendo o simbólico gesto de "banana" com os braços e traz a inscrição: "Almoço para Obama terá baião de dois, picanha, sorvete de graviola...e banana, muita banana". Na interpretação dos que viram racismo, supostamente o presidente norte-americano estaria representado no macaco. Mas o autor do trabalho discordou frontalmente. "Jamais faria isso. Nas eleições, eu usei camiseta do Obama, vi que era a renovação", disse.
Segundo ele, o único objetivo foi criticar a pretensão dos Estados Unidos de serem superiores a outros países, inclusive provocando transtornos exagerados durante a visita e exigindo que os ministros tirassem os sapatos para serem revistados. "Não tem nada a ver com o Obama, com racismo, nem com nada", reforçou Solda. "A república das bananas é uma coisa antiga e quis me referir exatamente a isso. É uma banana para o imperialismo, acham que aqui é o quintal deles."
O termo "república das bananas" foi criado pelo cronista e humorista norte-americano Henry, pseudônimo de William Sydney Porter (1862-1910), quando se referia ao colonialismo imposto pelos Estados Unidos. Solda afirmou que já utilizou outras vezes o símbolo da "banana", inclusive quando em referência ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez. "Não tenho preconceito, a não ser contra burrice e ignorância", criticou o chargista. "Algum analfabeto funcional ou visual interpretou mal e acho que viu racismo."
Solda trabalhava como funcionário terceirizado de O Estado do Paraná, que este ano deixou de ser publicado em papel, havia seis anos. A demissão foi comunicada segunda-feira, quando ele iria mandar outra charge para ser publicada. "Me chamaram para conversar", disse. Segundo ele, a justificativa foi a repercussão do tom racista dado pelo blog Conversa Afiada. No mesmo dia a charge foi retirada também do site do jornal paranaense. "Eles também não souberam interpretar", acentuou. "Se não entenderam, deveriam ter interditado antes e não tirar depois que saiu no blog."
A maior mágoa do chargista é que o jornalista responsável pelo Conversa Afiada não o procurou para saber sua versão. "Não tenho nada contra ele, só gostaria de ser ouvido", ressaltou Solda. Ele disse que ainda não decidiu se tomará alguma medida judicial. A direção do jornal e a assessoria de Paulo Henrique Amorim foram procuradas, mas não houve retorno telefônico. No blog do jornalista, o post da charge era uma das mais comentadas até a tarde de ontem, com 175 opiniões em que os leitores mostravam-se divididos entre apoios e críticas ao desenho.

 

Fonte: Estado de São Paulo.

 

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Esquadrinhei a charge, reproduzida no post  Não, nós não somos racistas, no blog Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim. Não vi como se sustentar de que é racista. Atribuir à charge racismo, ao meu juízo, somente encontra guarida sob a ótica de um comportamento, infelizmente reinante, de esquizofrenia, e, com boa vontade, paranoide – lembram, por exemplo, das tentativas (1) de enquadrar Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, como uma obra racista?; e (2)  da representação ao CONAR contra um reclame de fraldas pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial?. A associação do macaco ao negro, em manifestação evidentemente racista, não é pertinente na charge polemicad – para esta conclusão, basta que se detenha na expressão do macaco – de uma hostilidade patente – e no fato de que república das bananas é denominação atribuída a país das américas submetidos à supremacia ianque.  Por óbvio, o macado somos nós. A charge – é evidente - é política; não racial.

Mas, a bem da verdade, não tem importância o que quis dizer o cartunista com o seu trabalho. Afinal, se o humor fosse sempre politicamente correto não teria graça - perder-se-ia muito, por exemplo, com a defenestração do humor negro… ih, lá vou eu também ser acusado de racista! Esta questão, aliás, não é fundamental.

O que é mais relevante, no caso, é o direito de Solda produzir o seu trabalho da maneira que desejar. O Estado de Direito garante-lhe a livre manifestação do pensamento. Àquele que se sentir ofendido, que o processe, como lhe é assegurado o direito de ação se danos lhe for causado.

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