CADÊ?

outubro 15, 2008

Leiam João Antônio


Alguns leitores deste blog, aposto, sequer ouviram falar de João Antônio. Mas não são necessariamente desinformados. Afinal, João Antônio, contista e cronista primoroso, foi mesmo marginalizado. O autor, pela postura que adotara, contribuiu bastante para o limbo em que foi posto. Vejam, por exemplo, na visão de Paulo Maldonado, um pouco de João Antônio:

Nos anos sessenta, radicado no Rio, larga a gravata, e a servidão em redação de jornais e revistas. Naquele dia, senta no meio-fio da rua onde morava, no Leblon - a mesma do Antonio’s, bar de badalo da esquerda-festiva, mastiga e cospe o primeiro cartão de crédito, dirige o carro até o centro da cidade, pára na bolsa de automóveis e se desfaz dele. Volta de ônibus. Senta novamente no meio-fio, mastiga e cospe o segundo cartão de crédito. Corta seu último liame com a sociedade de consumo. Descasa-se da vida normal de homem casado com mulher e filho. Não volta à carteira assinada. Amasia-se à literatura. A puta amada que trará alegria e vicissitude máximas e cobra traições. Paga o preço da extraordinária fidelidade. O meio literário não gosta, porque tal devoção incomoda, e muito. Insólita, onde a regra é a concessão e justificativas para o ganho do vil metal. Invejam e criticam. Seu modo de trajar não prevê roupas de preço, relógio e modismos. As eternas bermudas e sandálias de couro, alpercatas, presenteadas por amigos, destoam do estereótipo de intelectual e escritor de elegância despojada, importada do Quartier Latin e Greenwich Village.
Publica artigos em jornais e livros de respeito, vem o ganho para a sobrevivência. Se pode, evita: intelectuais; editores; escritores; críticos. Escapole de confrontos, pura esperteza. Contudo, não engana, sabem como pensa. Não perdoa os que se dão importâncias, gabam de si e desfiam a própria biografia e feitos, plantando entrevistas idiotas nos suplementos e revistas culturais. Põe apelidos, debocha. Da falta de originalidade. De toda criação e produção intelectual macaqueada dos gringos. Da política tribal e políticos tupiniquins. Da imprensa, arrasada e, cada vez mais, levada por quem não sabe pensar e ao menos escrever. Santa fúria. Comportamento contrário ao assumido como missão frente a estudantes, escritores iniciantes e interessados em literatura, acadêmicos ou leigos. Disponibilidade absoluta para ler, discutir ou analisar qualquer texto ou idéia, ensinar
humildade, amor e trabalho como premissas de criação e a doutrinação a favor de o começo pelas leituras essenciais, estudo de estética e filosofia da arte. Nunca se furta a falar de suas preferências: Dostoievski, Tolstoi, Camus, Machado, Euclides, Mario de Andrade, Guimarães Rosa, Graciliano, Nelson Rodrigues, Clarisse Lispector, Dalton Trevisan; ou de indicar o que valora no momento: Anatoli Ribacov, Ryonozuke Akutagawa, Kazantzakis, Herman Melville, Günter Grass.
Diz e confirma: um escritor escreve. Ponto. Vale pelo texto e não por declarações, aparências ou posses. Desde cedo, escolhe convivências e vira porta-voz do zé-povinho, arraia-miúda, dos pontos-de-dose, bilhares, prostíbulos. Não se orgulha do sustento conquistado por mais de um ano aos treze, com dona acima dos trinta? Não será visto em vernissages, lançamentos, festas em coberturas da zona sul. Vai para a zona norte, freqüenta samba de subúrbio ou botequins de Copa e do Centro, lugares de assiduidade dos de lá ou dos descidos do morro. São os que não conseguem pôr esse no real e contam centavos. Só entra quem sabe preço de ônibus e pãozinho. João Antônio entendia sua lida e fez questão de manter distância geográfica dos literatos e da literatura que se diz brasileira, desconhecendo e insistindo em ignorar nosso povo e a pobreza.
Quando perguntado, revela que na busca das razões para ser artista, chegou à curiosidade e ao encantamento da primeira infância: mãe e avó brigavam sem parar porque ficava horas sozinho, embasbacado, a fitar estrelas no firmamento do Morro da Geada, Presidente Altino, S.Paulo. Seria músico, na pegada do pai operário e bambo nas rodas de chorões e chorinhos da periferia paulistana. Descobre-se a semente da paixão por Nelson Cavaquinho, Noel Rosa, Jacob do Bandolim, Pixinguinha, Garoto, Lupicínio, Aracy de Almeida. No entanto, deu-se a escrituras e nunca deixou de homenageá-los, seja em conversas sobre a música popular ou em contos/reportagens.

Pois, então. Sugiro que conheçam João Antônio, e comecem com Malagueta, Perus e Bacanaço. Se já o conhecem, releiam. A produção literária atual, com os paulos coelhos da vida, recomenda.

Um comentário:

J.L. Rocha do Nascimento disse...

Também recomendo, sobretudo àqueles que não o conhecem, o velho João Antônio e o submundo retratado em seus contos. Lembro também de um outro grande contista da época: José J.(JACINTO) Veiga, com o seu " OS CAVALINHOS DE PLATIPANTO", a SOMBRA DOS REIS BARBUDOS, A MÁQUINA EXTRAVIADA.