CADÊ?

outubro 21, 2008

Meu bom doutor,*

me-diz o Polidoro, de Zuza um dos netos, que o senhor não me-alue, que desatina meu contar, em pessoa minha veneranda descrê, mas mentiroso saiba eu não sou, o citadino respeite o sertanejo decano aqui, embrenhado nessas lonjuras desde a invenção do mundo. Ah, bem, nesse conforme fica mais bom, moço, por isso relevo, mas tento tome que Mão Sinistra domada ainda agora segue pela outra, a Destra, e se-sorria não em mangaria e ao velho aqui repita não isso nunca mais ao senhor peço, até encareço. Bom, assim é mais direito, nesse molde tudo entra nos corretos, nos estreitos, nos estribos, conselho entretanto dou jamais galhofe de novo o moço de matuto de cabelos de lã, que doutor de cidade ignora o estrupício de Esquerda Mão de homem quando da Direita se liberta e, desdominada, o avesso de Deus fica. Certo, já disse que adesculpo, vosmecê solicita reconsideração e eu defiro o pleito, porém não nunca bula mais não com o Demo, que Destino é quando menos se-espera o futuro invade o hoje da gente, então não desatine outra vez não pois quem no final das contas o moço que nem barba tem pensa que é pra desarrazoar estórias de tempos de antanho, do Avô do Avô do Avô? Pois não, pois sim, mas veja o sinhozinho que esse mundo é tudo muito misturado, o Bem no Mal, o Mal no Bem, entonce perscrute com o corpo, oiça com os olhos, olhe com os ouvidos, sinta com o pensar que hora há a de falar e a de calar, que tempo há o de plantar e o de colher, que dia há o de acordar e o de dormir, por isso se-eduque, se-atine, se-alue, conta se-dê que coelho tem orelha grande é pra não virar cenoura mais ligeiro, que cobra só se-achamega com outra de longe em longe por causa de que se se-enroscarem demorado de mais aves há, essas de rapina, bem aí no céu em espreita, e camaleão muda a cor pra despiste da sempre tocaiosa morte, não sabe disso não, o senhor? Ora, então se-assabedoreie mais, que se viver já por si perigoso é para que tornar mais arriscado o que periclitado, por desnaturada natureza, é? Claro, filho, de nada, se bem concluo adveio de extrema mocidade a imprudência essa a sua, mas mais se-cuide que na vida a morte pode ser besta de mais, como a do compadre Ciprião, por desvalia da mulher do pacato Mineu Medonho, que em revide de honra manchada lhe-retalhou como a um porco. Que, por estas bandas, nestes distantes, ainda inteiriça é a Lei e os artigos dela vigem todos, mas doutor promotor vossa mão em paz estendida com gosto aperto e abraço de boas-vindas lhe-dou a nossa antiga Catolé das Matracas, aconchego e auguro boas-cheganças, mas beber olhe, doutor, não beba assim, pelo menos não igual ao juiz Liminha, homem bom porém do Frege da Nhá Preta contumaz se-pode dizer ficou desde a morte da mulher, na Capital, de doença tão feia que nome nem dizer se-deve a gente, que seguro morreu foi de velho, viu, doutor promotor agora aqui chegado e sem nem pêlo nas faces, ainda.


* Conto de Airton Sampaio, como se vê, publicado hoje no Confraria Tarântula.

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