CADÊ?

setembro 22, 2008

Para não dizer que não falei de Shakespeare*


A moça de olhos negros e vivos
me disse quero um autógrafo
- me dê um papel
mas ela falou que não. "aqui mesmo",
ergui sua coxa de pêlos dourados
e no azul claro do short
pus a minha emoção.


Acima a lua quase cheia e metálica resvalava sua lembrança, Ofélia de onde saíste? De algum livro antigo ou de uma colagem de imagens que serpenteava na memória sutil mistério?
Ofélia branca e pálida quase lua cintilava fugaz à luz de vapor de mercúrio, deslizando para cá e para lá, cisne branco no lago azul da ópera e de meus olhos presos, Ofélia.
Ela servil a olhos senhores, Ofélia rara e vera cria, entre o silêncio de seus olhos e a música que fluía do bal, ela dócil eva antes da mordida tecia os guizos tua presa, meus olhos.Como arranjar as palavras, as imagens, a ficção que fluíam de seu mistério?
As ruas se desfaziam na noite veloz e ela entre arisca e terna, os lábios prendendo palavras sumiam na minha boca, e na língua seus dentes, Ofélia, Ofélia, Ofélia na tua pele clara a minha bronzeada, e o milagre mestiço correndo nas veias. Entre a ânsia contida nos olhos e a canção de Fagner, ela vampi me mordia, e eu acariciava o seu silêncio ávido, imprevisivelmente Ofélia.
O rio misterioso, cão pestilento deslizava sobre colunas trêmulas e luminosas, trêmulas como suas mãos em minhas costas e a cada olhar acuado uma menina se revelava em gestos fugazes, mas sob o vestido amarelo tremiam, tremiam, ao ritmo dos passos, a alça teimava em desnudar-lhe os ombros, seus seios tremiam.
A cada esquina ruas iluminadas se abriam para o lúdico silêncio, out-door, neone luzes, e luzes e luzes, os olhos negros e piscos revelavam o desenrolar de um novelo interminável, seus olhos negros e piscos se embaraçavam em dúvidas, Ofélia.
Ela entre a queixa e o afago e meus lábios faziam festa nos cabelos ciganos que se desfaziam, o pescoço a trilha de seu segredo, Ofélia, Ofélia, Ofélia no róseo de teus lábios a fome da maçã encurtava caminhos como um blue antigo de Joplin, e diante de minha sede a doce tarântula acesa, pão e vinho, e nos banqueteávamos sonâmbulos.
Às vezes ela dizia que as palavras não batiam com os gestos, eram movediças, cheias de ciladas, mas sem as palavras as emoções não tinham a força que a sua sensibilidade reclamava, mas com um negaceio, ela fincava o pé na sua decisão, revelando a face ofídica de mulher.
Mas sobre nós o olhar azul da quimera estendia sua luminosidade invisível e imagens impertinentes batiam na tua porta Ofélia, Ofélia, Ofélia, e passos que passos seguíamos? A malha preta do vestido já não ocultava suas pernas e o hálito de seu corpo anunciava o paraíso oculto que enlouquecia, atraindo a avidez de meus lábios.
E o dadinho invisível girava, girava, girava amorosamente à luz de olhos esquecidos, a sorte na palma da mão, mas Ofélia intuía pedras se movendo no caminho e farpas fluíam de seus olhos, e do outro lado de seu silêncio eu insistia que viver não era apenas se guardar e não correr riscos. Ofélia nada dizia e imóvel omo um vegetal, eu a despertava com um beijo.
A Ofélia quase nada me guardava e no desbravar só luz da pérola intacta, nem regras e o dadinho girando, girando, girando à penumbra, dois copos, ela distraída raspava o rótulo da garrafa, e do lóbulo da orelha o azul-escarlate me atraía e me denunciava com as cores do enigma.
E repentinamente ralhos e sussuros inaudíveis pareciam tomar o seu pulso branco e ela tímida fixava o rio, que perdia o seu encanto, e leve como uma pluma, desvencilhou-se de meus braços e lentamente distanciava. Além o portão, ela dócil que branca e pálida, por instantes, fixou-se no brilho frio de meus olhos e apenas um vulto sumiu nos corredores sombrios.
A noite se estendia e sua esfinge crescia, crescia, crescia em mim como o bolero de Ravel, e além de seu enigma de criatura, a ansiedade roendo as horas, os lábios sussuravam Ofélia, Ofélia, Ofélia e la parecia surgir inteira nos out-doors que se multiplicavam na cidade.


* Conto extraído do blog Confraria Tarântula, publicado em setembro, 13.

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