CADÊ?

agosto 27, 2008

Pela regulamentação do art. 226 da CEPI - 1988*

Ilustração: Albert Piauí


Por Kenard Kruel


Em 1988, como já falamos em artigo publicado na Kenard Kaverna, houve uma mobilização muito grande, encabeçada pela União Brasileira de Escritores (Secção Piauí), para a aprovação do artigo 226, abaixo transcrito, da Constituição do Estado do Piauí, de 1989. O artigo 226 passou, mas, após 19 anos, nunca foi regulamentado. O que diz ele:
Art. 226 - A lei estabelecerá o plano estadual de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e á integração das ações do Poder Público que conduzam:
I – à erradicação do analfabetismo;
II – à universalização do atendimento escolar;
III – à melhoria da qualidade do ensino;
IV – ao conhecimento da realidade piauiense, através de sua literatura, história e geografia;
V – à preparação do educando para o exercício da cidadania.
§ 1º - Será obrigatório, nas escolas públicas e particulares, o ensino de literatura piauiense e a promoção, no âmbito de disciplina pertinente, do aprendizado de meio ambiente, saúde, ética, educação sexual, direito do consumidor, pluralidade cultural e legislação de trânsito.
§ 2º - Compete à Secretaria de Educação do estado do Piauí, fazer constar dos programas de ensino fundamental e médio, direcionamento e de limitação quanto aos conhecimentos teóricos dos temas referidos no parágrafo anterior, na forma da lei.”.
Abrimos espaço aqui para que houvesse discussão em torno da regulamentação do artigo 226, da Constituição do Estado do Piauí, de 1989.
O poeta Nicolas Behr, de Brasília, começou a confussão ao entender que estamos querendo impor o ensino da literatura piauiense nas escolas, como reserva de mercado, para favorecer este ou aquele escritor, sem qualquer critério. Nas suas palavras: "Não paguem esse mico, escritores piauienses! Se quiserem ser lidos nas escolas do Piauí que o sejam pela qualidade da escrita e não pela imposição de uma lei. Assim não vale. Isso me parece reserva de mercado, um tipo de garantia que alguns escritores procuram para serem lidos, nem que seja goela abaixo, na imposição de uma lei".
O professor e poeta Adriano Lobão Aragão entrou na dança do Nicolas Behr, como o mesmo passo sem ritmo, afirmando que a regulamentação do artigo 226 "Será uma porta aberta para oportunistas, apadinhamentos retrógrados e bairrismos". E que ele, regulamentado, não servirá ao aluno, mas aos "arremedos de professores de literatura dos cursinhos da província".
O músico e professor Alfredo Werney, seguindo os passos do Nicolas Behr e do Adriano Lobão Aragão, também pisa os pés da dançarina, quando afirma que estamos tratando aqui apenas de uma questão geográfica, e não de critério estético; e que a regulamentação do artigo 226 é meramente questão política, que interessa a um grupo específico, que domina a esfera da cultura e que se sustenta nesse bairrismo. Alguns que editam livro, outros que vendem fórmulas e bizus na sala de aula.
O contista e professor Airton Sampaio, do Departamento de Letras da Universidade Federal do Piauí, colocou a discussão no caminho certo: "Penso que o ensino da literatura brasileira de autores piauienses requer, pelo menos, duas dimensões inter-relacionadas: uma boa HISTORIOGRAFIA DA LITERATURA (que ainda não temos entre nós, mas para praticá-la a regra básica é seguir, na medida do possível, os estilos de época nacionais) e uma EFETIVA PRÁTICA ESCOLAR DE LEITURA, baseada num cânone bem elaborado (com competência mas, principalmente, com honestidade intelectual, a fim de não se incluir apenas amigos e se excluir somente inimigos), este subdividido em a) autores e obras canônicas (no caso do Piauí, por exemplo, um H. Dobal e seu Tempo Consequente), b) autores e obras importantes (no caso do Piauí, por exemplo, um Paulo Machado e seu Tá Pronto, Seu Lobo?) e c) autores e obras de livre escolha de professor e alunos, afinal o corpus da LBAP é imenso, aberto e rico. Se se conseguir viabilizar isso, por que não?"
Não estamos querendo fazer discussão sobre a existência de uma literatura piauiense ou não. Isso já aconteceu na década de 80, com o O. G. Rêgo de Carvalho à frente do debate e, na época, recebendo porrada de toda espécie porque os entendidos de ontem como os entendidos de hoje não entenderam nada do que ele estava falando. Como quem tem boca diz o que quer, a discussão, quando muito anda, anda a passo de caranguejo. O. G. Rêgo de Carvalho dizia, como ainda diz, que literatura é um conjunto de obras e que o Piauí não tinha, infelizmente, este conjunto de obras. Tinha e tem, é certo, nomes com boas obras que não formam um conjunto, entretanto. Em cada tempo, podemos destacar um nome com boa obra. Assim, temos um Leonardo da Senhora das Dores Catello-Branco, um Renato Castelo Branco, um Da Costa e Silva, um Chico Pereira da Silva, um Mário Faustino, um H. Dobal, um O. G. Rêgo de Carvalho, um Assis Brasil, um Torquato Neto, um Paulo Véras, por exemplo.
Mais recentemente, nossa literatura cresceu. Podemos destacar nomes com boas obras, como um Carvalho Neto, um Jamerson Lemos, um Menezes y Morais, um Geraldo Borges, um Hardi Filho, um Cineas Santos, um Rogério Newton, um Aci Campelo, um Benjamin Santos, um José Afonso de Araújo Lima, uma Marleide Lins Albuquerque, uma Graça Vilhena, um Paulo Machado, um William Melo Soares, um Airton Sampaio, um João Luiz Rocha do Nascimento, um M. de Moura Filho, um Alcenor Candeira Filho, um Emerson Araújo, um Ramsés Ramos, por exemplo.
Airton Sampaio tocou num ponto importante: o de não termos uma boa historiografia da literatura. Lucídio Freitas começou uma, com conhecimento de causa, mas faleceu cedo demais e não deu para concluir o seu projeto. João Pinheiro fez o seu livro com nomes, títulos e datas. Herculano Moraes publicou livro sem base acadêmica, pedagógica, disciplinar. Adrião Neto, vendo um filão a explorar e ganhar dinheiro, preparou livro destinado aos alunos de pré-vestibular, no que foi seguido pelo Luiz Homero. O Francisco Miguel de Moura, que poderia fazer um livro de peso e medida, se quizesse, não quis. O horizonte dele é o próprio umbigo. E se perde em torno do próprio corpo. Dessa forma, é necessário, sim, a preparação de uma boa historiografia da literatura, o que não se fará sem uma discussão madura. De chiliques estamos cheios!
Outro ponto importante levantado pelo Airton Sampaio: uma Efetiva Prática Escolar de Literatura, baseada num cânone bem elaborado (com competência mas, principalmente, com honestidade intelectual, a fim de não se incluir apenas amigos e se excluir somente inimigos).
Neste particular, meus caros Nicolas Behr, Adriano Lobão Aragão e Alfredo Werney, jogamos fora o temor de vocês da imposição de uma literatura sem qualquer critério, ou, pior, pelo critério do apadrinhamento. Adotar nas escolas nomes e obras sem qualidades. Mas, como separar o joio do trigo sem uma boa discussão, de forma madura? É isto que estamos propondo. Portanto, não me venham com essas tolices de regionalismo, de uma geografia literária, da existência ou não da literatura piauiense, da tomada da literatura pela oficialidade, do apadrinhamento... Chega, esse tipo de discussão já passou! Revivê-la é lavar carvão para ele ficar branco.
Além do mais, a regulamentação do artigo 226 não diz respeito apenas à literatura piauiense, mas a sua geografia, a sua história, o seu meio ambiente, à noção de trânsito, com vistas à erradicação do analfabetismo; à universalização do atendimento escolar; à melhoria da qualidade do ensino; e à preparação do educando para o exercício da cidadania.
Para não dizer que não falei do poeta e professor Emerson Araújo, foi quem ele que aprendi o pouco que sei de literatura. Foi observando as suas aulas, que tornei-me professor de literatura. Emerson Araújo, como poeta e como professor, é de uma honestidade sem par. Quando estudante de latim (salve Mestre Mons. Melo!) no curso de Letras da Universidade Federal do Piauí, aprendi que um "bom dsicípulo está sempre atento ao Mestre". Portanto, crianças, leia o que escreve o Emerson Araújo, com a humildade que devemos ter, porque é assim que devemos nos portar diante de um Mestre. Querer dá uma de independente, de honesto, de criterioso, de compromissado, de sabidão em cima de nós, nesta altura do campeonato, quando já enfrentamos, com dignidade, todo tipo de terror, censura, prisão, tortura, corrupção... não dá!
Cartas para a redação, que só queremos saber do que pode dá certo, não temos tempo a perder. É louvando quem bem merece, que deixamos o que é ruim de lado!

* Postagem extraída do blog de Kenard Kruel, publicada hoje.

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